quinta-feira, 17 de setembro de 2020

TEORIA E METODOLOGIA: para entender o que são estas duas dimensões da produção do conhceimento








Uma teoria, conforme veremos neste artigo, é uma visão de mundo. Enquanto isso, uma metodologia pode ser compreendida como 'um modo de fazer as coisas'. Neste texto, vamos explorar os esclarecimentos sobre o que é o teórico, o que é o metodológico, e como estas duas instâncias interagem uma sobre a outra. Vamos compreender ainda que qualquer tipo de saber científico ou sistematizado precisa articular estas duas instâncias, de modo que não existe disciplina que não tenha uma dimensão teórica e uma dimensão metodológica, e que deixe de articular estas dimensões de muitas maneiras.

A noção fundamental de que as teorias são visões de mundo pode ficar clara de duas maneiras: pelo contraste mias rigoroso entre Teoria e Método, e por um esclarecimento adicional de que, embora as teorias sejam necessariamente visões de mundo, existem outros tipos de visões de mundo que nada têm a ver com Teoria. Assim, o modo intuitivo de agir também produz uma maneira de enxergar e agir sobre a realidade - configurando um âmbito bem distinto da teoria. De igual maneira, existem também outras visões de mundo bem distintas da teoria - típica do pensamento científico - como é o caso de fé religiosa ou da da magia, apenas para dar dois exemplos. Neste artigo, entretanto, vamos nos concentrar no contraste entre Teoria e Metodologia, e nas formas de interação entre estes dois campos de modo a produzir conhecimento.

A “teoria” remete, como já se disse, a uma maneira específica de ver o mundo ou de compreender o campo de fenômenos que estão sendo examinados. E é importante desde já ressaltar que cada campo de saber possui muitas alternativas teóricas (muitas maneiras de ver um mesmo objeto de estudos, e inclusive muitas maneiras de compreender a própria disciplina científica que estivermos considerando. Assim, entre inúmeras correntes teóricas à sua disposição, um psicólogo poderia se associar à corrente teórica da “psicanálise”, trazendo o ‘discurso’ para o centro de seu sistema, ou se ligar à corrente reichiana, para a qual o ‘corpo’ desempenhará um papel primordial, ou então se associar a uma abordagem teórica ‘sistêmica’, que procurará enxergar o mundo através das relações dos indivíduos entre si e em relação ao todo). De igual maneira, um historiador pode se apoiar em uma perspectiva teórica positivista, um outro em uma perspectiva historicista, e um terceiro enxergar a realidade histórica e o seu campo de saber conforme os parâmetros teóricos do Materialismo Histórico, apenas para citar três entre as muitas possibilidades de paradigmas teóricos que se abrem aos historiadores. Falar nestas maneiras diversificadas de ver que se abrem no interior de certo campo disciplinar - seja ele a Psicologia, a História, a Física ou a Biologia - é falar em “correntes teóricas”[1].

Entre outros aspectos, a Teoria remete aos conceitos e categorias que serão empregados para encaminhar uma determinada leitura da realidade, à rede de elaborações mentais já fixadas por outros autores (e com as quais o pesquisador irá dialogar para elaborar o seu próprio quadro teórico). Ao lado disto, a Teoria também implica em uma visão sobre o próprio campo de conhecimento que se está produzindo. É por exemplo uma questão teórica importante a subdivisão de certo campo de conhecimento em suas modalidades internas (a Física que se desdobra em ‘termodinâmica’, ‘ótica’ ou ‘mecânica’, por exemplo, ou a Historiografia que se desdobra em ‘história cultural’, ‘história política’, ‘história econômica’, e tantas outras modalidades). Enfim, a Teoria tanto remete à maneira como se concebe certo objeto de conhecimento ou uma determinada realidade examinada, a partir de dispositivos específicos que são os conceitos e fundamentos teóricos de diversos tipos, como também se refere ao modo como o pesquisador ou cientista enxerga sua própria disciplina ou seu próprio ofício.

Já a “Metodologia” remete sempre a uma determinada maneira de trabalhar algo, de eleger ou constituir materiais, de extrair algo específico destes materiais, de se movimentar sistematicamente em torno do tema e dos materiais concretamente definidos pelo pesquisador. A metodologia vincula-se a ações concretas, dirigidas à resolução de um problema; mais do que ao pensamento, remete à ação e a prática[2]. Um tipo de entrevista realizado por um psicólogo que tenta apreender as potencialidades de um futuro profissional da empresa, ou a “análise de discurso” de que um historiador lança mão para compreender as suas fontes históricas, são relacionados ao âmbito dos procedimentos técnicos e das metodologias. Quando o historiador situa uma série de documentos em série, e procura incidir sobre elas um determinado questionário ou uma tabulação de tópicos e critérios, estará certamente empregando uma “metodologia. Assim, enquanto a ‘teoria’ refere-se a um “modo de pensar” (ou de ver), a ‘metodologia’ refere-se a claramente um “modo de fazer”. Estes dois verbos – “Ver” e “Fazer” – constituem os gestos fundamentais que definem, respectivamente, Teoria e Método.

Poderemos, a partir destas colocações iniciais, sintetizar aquilo que se refere ao Teórico, e o que já se refere ao Metodológico, seja de modo geral ou mais especificamente no âmbito das ciências históricas. O ‘Quadro 2’, situado ao final deste artigo, procura dar um exemplo da distinção entre Teoria e Metodologia tomando como exemplo uma das ciências humanas, a História. O quadro relaciona, à esquerda, tudo aquilo o que se refere ao âmbito teórico e à Teoria da História. Já no lado direito do esquema, encontraremos aquilo que se refere mais diretamente à Metodologia da História. Conforme já postulamos, são elementos pertinentes à Teoria todos aqueles aspectos, fatores e artifícios que se relacionam às “maneiras de ver” e às concepções historiográficas. Os ‘conceitos’, por exemplo, são importantes instrumentos da Teoria. Quando formulamos um conceito como o de “Classe Social”, estamos nos proporcionando certa maneira de enxergar a sociedade, pois imediatamente passamos a concebê-la como dividida de uma forma específica, do mesmo modo que começamos a enxergar a partir desta divisão hierarquizações e antagonismos específicos entre os vários grupos sociais resultantes desta concepção da sociedade. Para dar outro exemplo, conforme definamos de certa maneira o conceito de “Revolução”, e não de outra, estaremos abrindo espaço para algumas formas de enxergar e analisar determinados processos sócio-políticos, e nos fechando para outras[3].

Também pertencem ao âmbito da Teoria da História os grandes paradigmas historiográficos e os sistemas teóricos mais amplos que se destinam a encaminhar a compreensão e análise historiográfica[4]. Os paradigmas Positivista, Historicista e o Materialismo Histórico, entre outros, pertencem ao quadro de grandes correntes teóricas disponíveis aos historiadores (embora frequentemente estas correntes também envolvam aspectos metodológicos, é preciso desde já ressalvar).

Teorias mais específicas sobre processos históricos – que nada mais são que “maneiras de ver” estes processos históricos singularizados – também pertencem ao âmbito da Teoria da História. Existem, por exemplo, dezenas de teorias sobre o Nazismo, ou sobre os fatores que levaram à eclosão e crescimento do Nazismo na Alemanha do período posterior à primeira Guerra Mundial. Há igualmente uma quantidade indefinida de teorias sobre a Revolução Francesa, que procuram oferecer uma determinada leitura daqueles acontecimentos e processos que se deram na França em fins do século XVIII.

A Historiografia também estabelece ‘diálogos interdisciplinares’ importantes – muitos dos quais de cunho teórico, e outros relacionados ao âmbito metodológico – com outros campos do conhecimento como a Antropologia, a Geografia, a Economia, a Sociologia, a Psicologia, e tantos outros. Por isto, no esquema proposto, os ‘diálogos interdisciplinares’ atravessam tanto a Teoria como a Metodologia da História. Para além disto, a subdivisão da História em modalidades internas – como a História Cultural, a História Política, a Micro-História, e tantas outras – é uma questão teórica importante. Quando atinge certo nível de complexidade, muito habitualmente um campo de saber começa a produzir “espaços intra-disciplinares”, e a permitir, obviamente, conexões as mais diversas entre estes espaços intra-disciplinares de acordo com cada objeto de estudo. O olhar que um campo de estudos estabelece sobre si, identificando e constituindo seus espaços internos, é também uma questão teórica, um modo de enxergar a si mesmo, que no caso da História corresponde a mais uma das tarefas da Teoria da História.

Vejamos agora o outro hemisfério da figura proposta. Conforme já pontuamos, faz parte da Metodologia tudo aquilo que é pertinente ao “fazer da história” – às situações concretas e práticas com as quais deve o historiador se defrontar em seu processo de Pesquisa, de análise de fontes, ou mesmo de exposição de resultados. A partir disto, é possível vislumbrar o que pode ou deve ser relacionado ao âmbito metodológico, para o caso da História. Elementos de importância máxima, que perpassam toda a Metodologia da História e que correspondem de certo modo o seu centro, são precisamente as Fontes Históricas. A Historiografia desenvolve inúmeros procedimentos e metodologias para constituir as fontes históricas, para analisá-las, para serializá-las, para utilizá-las como fontes de indícios e informações historiográficas, ou para abordá-las como discursos que devem ser decifrados, analisados, incorporados criticamente pelo historiador. Inúmeros âmbitos relacionados aos “Métodos e Técnicas” poderiam ser aqui indicados, e a História Oral, a Arqueologia, a Análise de Discurso, ou o tratamento serial e estatístico constituem apenas alguns exemplos.

É imprescindível à Metodologia da História, ainda, o próprio ‘planejamento da pesquisa’, e neste sentido o ‘Projeto de Pesquisa’ constitui um recurso metodológico importante. Claro que, no interior do seu texto, um bom Projeto de Pesquisa também falará de Teoria, uma vez que faz parte de um bom planejamento indicar as referências conceituais, discutir o Quadro Teórico que orientará a análise, formular hipóteses, e dialogar com a historiografia e teoria já existente. Isto posto, tomado em si mesmo, o Projeto de Pesquisa pode ser perfeitamente tratado como um recurso metodológico.

É verdade, ainda, que uma decisão “teórica” pode encaminhar também uma escolha “metodológica”. Reciprocamente, a metodologia – ou uma certa maneira de fazer as coisas – também pode retroagir sobre a concepção teórica do pesquisador, modificando sua visão de mundo e levando-o a redefinir os seus aportes teóricos. Frequentemente, há certas implicações metodológicas a partir de certos pressupostos teóricos, e, inversamente, quando optamos por uma certa maneira de fazer as coisas, de enfrentar situações concretas apresentadas pela Pesquisa, também estamos optando por um certo posicionamento teórico. Por exemplo, não é raro que o Materialismo Histórico – um dos paradigmas historiográficos contemporâneos – seja referido como um campo teórico-metodológico, uma vez que enxergar a realidade histórica a partir de certos conceitos como a “luta de classes” ou como os “modos de produção” também implica necessariamente uma determinada metodologia direcionada à percepção dos conflitos, das relações entre condições concretas imediatas e desenvolvimentos históricos e sociais. Uma certa maneira de ver as coisas (uma teoria) repercute de alguma maneira numa determinada maneira de fazer as coisas em termos de operações historiográficas (uma metodologia).

A Pesquisa em História, e a sua posterior concretização em Escrita da História (isto é, a apresentação dos resultados da pesquisa em forma de texto) envolvem necessariamente este confronto interativo entre teoria e metodologia. O ponto de partida teórico, naturalmente, corresponde a uma determinada maneira como vemos o processo histórico (porque há muitas). Podemos alicerçar nossa leitura da História na idéia de que esta é movida pela “luta de classes”, tal como foi acima proposto. Mas se quisermos identificar esta “luta de classes” na documentação que constituímos para examinar este ou aquele período histórico específico, teremos de nos valer de procedimentos técnicos e metodológicos especiais. Será talvez uma boa idéia empreender uma “análise de discurso” sobre textos produzidos por indivíduos pertencentes a esta ou àquela “classe social” (“classe social”, aliás, é também uma categoria “teórica”). Esta análise de discurso poderá se empenhar em identificar “contradições”, ou em trazer a nu as “ideologias” que subjazem sob os discursos examinados, e para tal poderá se valer de técnicas semióticas, da identificação de temáticas ou de expressões recorrentes (análises isotópicas), da contraposição intertextual entre discursos produzidos por indivíduos que ocupam posições de classe diferenciadas, e assim por diante.

De igual maneira, se acreditamos que as condições econômicas e materiais determinam em alguma instância a vida social e as superestruturas mentais e jurídicas de uma determinada comunidade humana historicamente localizada (outro postulado[5] teórico do Materialismo Histórico) deveremos selecionar ou constituir metodologias e técnicas capazes de captar os elementos que caracterizariam esta vida material. Dependendo do tipo de fontes históricas utilizadas poderemos, por exemplo, realizar análises quantitativas ou seriais, utilizar técnicas estatísticas para levantar as condições de vida de determinados grupos sociais dentro de uma determinada população, e assim por diante.

É assim que uma determinada Teoria pode se sintonizar com determinadas possibilidades metodológicas; e certamente existem metodologias que favorecem ou que inviabilizam o encaminhamento de certas perspectivas teóricas. Para além disto, a interação entre Teoria e Metodologia também aparece de maneira muito clara na elaboração de “hipóteses”. Via de regra, uma hipótese é gerada a partir de certo ambiente teórico, e frequentemente é formulada a partir de conceitos muito específicos. Posto isto, não há sentido em formular uma hipótese que não possa ser demonstrada – pois, se assim for, não estaremos diante de uma verdadeira hipótese, e sim de uma mera conjectura. É depois que formulamos uma hipótese, e quando partimos para a sua demonstração, que surge a necessidade de uma “metodologia”. Nas ciências históricas, qualquer hipótese apresentada deve buscar respaldo nas fontes primárias, e na análise destas fontes, ou, ao menos, deve ser referida a evidências que tenham chegado ao historiador de alguma maneira. Estes procedimentos – o levantamento de fontes, a constituição de um corpus documental, a verificação comparada de informações e a análise dos discursos trazidos pela documentação – estão ancorados, conformes já vimos, na Metodologia.  Para verificar uma hipótese, ou para rejeitá-la, é preciso de método. Não é por outro motivo senão este que, no ‘Quadro 2’, fizemos com que a palavra “hipótese” apareça atravessada entre os hemisférios da Teoria e da metodologia. Uma hipótese nasce no mundo teórico, a partir de uma determinada maneira de enxergar a realidade, mas em seguida ela se dirige ao âmbito metodológico em busca de comprovação. Torna-se mais um dos inúmeros elos que podem ser estabelecidos entre a Teoria e a Metodologia.

Vemos, portanto, que Teoria e Metodologia são como que duas irmãs siamesas. Uma olha para o alto, buscando enxergar algo de novo no céu estrelado de todas as realidades possíveis e imaginárias. A outra, decididamente prática, aponta para o chão, em busca de soluções concretas para confirmar ou rejeitar as hipóteses aventadas pela irmã. Teoria e Metodologia, separadas uma da outra, não têm muito sentido para a Ciência. A “teoria pura” facilmente poderia se converter em especulação. A “metodologia pura”, a rigor, nem surge como possibilidade, e quando muito se converte em alguma forma de exercício aprendido mecanicamente em alguma fase inicial de treinamento artesanal ou científico. Nas Ciências Humanas, que sempre almejam produzir como resultado uma reflexão fundamentada sobre a realidade social, a Teoria e a Metodologia são gêmeas mais siamesas do que nunca. De todo modo, apesar das mútuas repercussões entre teoria e método, não devemos confundir uma coisa com a outra. Se há uma interpenetração possível entre concepções teóricas e práticas metodológicas disponíveis ao historiador ou a qualquer outro tipo de pensador/pesquisador, deve-se ter sempre em vista que “teoria” e “método” são coisas bem distintas, da mesma maneira que “ver” e “fazer” são atitudes verbais e práticas diferenciadas, embora possam se interpenetrar. 

Ainda como um ponto interessante que pode ser ressaltado para o caso da Teoria, deve-se ainda entender que pode existir uma grande diversidade de teorias possíveis para qualquer objeto de investigação ou para qualquer campo de conhecimento examinado, e que as diversas teorias podem se contrapor, se sucederem ou se sobreporem umas às outras. Uma vez que cada teoria propõe ou se articula a uma determinada “visão de mundo”, ela também corresponde à formulação de determinadas perguntas, e consequentemente abre espaço a um certo horizonte de respostas. Na mesma medida em que as teorias se diversificam, também variam muito as respostas proporcionadas por cada teoria em relação a uma certa realidade ou objeto examinado. Thomas Kuhn, autor do célebre livro A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), já considerava que uma teoria frequentemente se afirma em detrimento de outra precisamente porque responde a algumas questões que a outra teoria não respondia. Nesta perspectiva, as mudanças de teoria (ou as opções por uma ou outra teoria) ocorrem porque uma teoria passa a satisfazer mais do que outra – isto é, porque as questões a que a nova teoria adotada dá resposta começam a ser consideradas mais importantes ou relevantes pelo sujeito que produz o conhecimento. Dito de outra maneira, cada teoria, ao corresponder ou ao equivaler a uma determinada visão de mundo, permite que sejam formuladas certas perguntas, e, frequentemente, uma nova teoria contrasta com as teorias anteriores que abordaram esta ou aquela questão precisamente pela sua capacidade de colocar novas perguntas. Contrapor à realidade uma nova pergunta, que até então ainda não havia sido imaginada, é já enxergar a realidade de uma nova maneira[6].


José D'Assunção Barros


Veja a continuação deste artigo em Uma Teoria é um modo de ver (Interfaces da Educação, 2020). O texto baseou-se também em um dos capítulos de Teoria da História, volume I: Princípios e Conceitos Fundamentais (Petrópolis: Editora Vozes, 2020).


NOTAS:

[1] Ver o mundo de determinada maneira, poderíamos acrescentar, é “viver” no mundo de um certo modo e não outro; ou, mesmo ainda, é viver em um certo mundo, e não em outro. Isso nos habilitaria mesmo a dizer que duas pessoas ou grupos de pessoas com visões teóricas diferenciadas vivem, de certa maneira, em mundos diferenciados. É o que sugere Thomas Kuhn, em certa passagem do “Pósfácio” (1969) que acrescentou ao livro A Estrutura das Revoluções Científicas (1962): “dois grupos cujos membros têm sistematicamente sensações diferentes ao captar os mesmos estímulos vivem, em certo sentido, em mundos diferentes” (2007, p.241).

[2] Mas há também – é preciso ser lembrado – os métodos que se dirigem para a organização do “pensamento”, ou para o adequado desenvolvimento da argumentação. Arrumar as idéias é também um fazer, sendo preciso considerar estes pontos em que a Teoria e o Método se tocam ou se interpenetram.

[3] Hannah Arendt (1998, p.17-46), ao definir “revolução” como um movimento social que introduz necessariamente a perspectiva do “novo”, sanciona uma leitura histórica da realidade que considera a Revolução Francesa como um movimento efetivamente revolucionário, mas não a Revolução Inglesa, mais ligada à restauração de determinadas liberdades que haviam sido subtraídas a determinadas classes sociais na Inglaterra do século XVII. Uma outra maneira de definir “revolução”, por outro lado, poderia permitir que a chamada Revolução Inglesa fosse considerada de fato uma revolução. Este exemplo mostra que a redefinição de um conceito transmuda imediatamente a leitura da realidade ou de certos processos históricos.

[4] O texto clássico para a definição do conceito de paradigma é o livro A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas KUHN (1962).

[5] Um “postulado” é uma proposição que se pede ao interlocutor que a aceite como princípio inconteste para iniciar ou dar seqüência a um processo de raciocínio, embora se reconheça que esta proposição não é nem suficientemente evidente para que seja impossível colocá-la em dúvida (como o axioma) e nem passível de demonstração (como a hipótese). Deve-se considerar ainda que, conforme o horizonte teórico ao qual esteja associada a nossa maneira de ver as coisas, pode-se dar ainda que uma mesma idéia seja recebida como “postulado” ou como “axioma”.

[6] Vale lembrar que, não raro, uma nova pergunta só pode ser formulada, ao menos em uma dimensão mais ampla de aceitação, quando a sociedade ou uma determinada comunidade científica já apresenta condições para resolver os problemas por ela colocados. Da mesma forma, uma sociedade “não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver”. Karl Marx anota este aspecto explicitamente no Prefácio para a Crítica da Economia Política (1859). De igual maneira, uma nova imagem do mundo a ser elaborada por uma teoria científica só consegue florescer em épocas e terrenos propícios. Delattre, em seu verbete para a Enciclopédia Einaudi, ressalta este aspecto para a questão do “geocentrismo”: “É sabido que a idéia de não imobilidade da Terra já se encontrava em Heráclito e em Aristóteles de Samos, que foi redescoberta por Escoto Eriugena e de novo proclamada por Regiomontano e Nicolau de Cusa no século XV. Mas todos eles pregaram no deserto; os espíritos não estavam preparados para aceitar este esquema demasiado incompatível com as outras concepções do momento” (DELATTRE, 1992, p.244).